17 anos depois

“Como é que é possível? 17 anos? Como raio é possível!?”

Foram estas as palavras que disse em voz alta, quando hoje de manhã me lembrei de quantos anos passaram desde o falecimento da minha avó. 17 anos, neste dia 17.

Confesso que fiz os cálculos diversas vezes e até pelos dedos contei os anos que passaram. Ano após ano e cada um sobrecarregado de nostalgia. Já afirmei outrora: mente quem diz que o tempo atenua a saudade. Realmente, meditando na falta que faz, no vazio que deixou, estes 17 anos sem a minha avó Prazeres parecem 50. A sua partida criou no meu coração – e não só no meu – um lugar impossível de ser preenchido. Restam-me as lembranças. Abraçou-me sempre como se nunca mais me quisesse largar. E nunca mais me largou, apenas não sinto o seu toque. E este apenas é tanto, que tento não pensar no tanto que é, pois se me demoro a refletir nisso, sinto que morro um pouco também.

Sim, são as memórias que construiu em mim que nos transformou em nós. Eu, tu, nós… São as recordações do que foi para mim, do papel que teve na família e da vida que criou para todos a partir de si – porém sempre em função dos outros – que a mantém tão presente, tão viva. Infelizmente, as minhas “filhas” nunca a conheceram, no entanto é comum questionarem-me sobre ela, sobre os seus gostos, sobre as suas escolhas, sobre as suas decisões. Aliás, sei que a refeição está deliciosa quando elas me perguntam se a receita é da minha avó! Sei que estou a fazer a coisa certa, quando as oriento e elas apostam comigo que se fosse a minha avó diria exatamente o mesmo. Como se a conhecessem. Talvez a conheçam, sei lá eu.

Neste dia 17, passaram 17 anos da sua partida, contudo, guardo-a em mim, e tento honrá-la respeitando os seus preciosos ensinamentos. Hoje percebo-os mais que ontem. Todos os dias a vida se encarrega de me fazer entendê-los mais e melhor. Partilho alguns dos mais valiosos, pelas suas próprias palavras, esperando que sejam luz para vós, tal como foram, são e serão sempre para mim.

“Por isso te ralho e te explico mil vezes a mesma coisa… para que hoje saibas ser menina, para que um dia saibas ser mulher e para que possas ser sempre feliz.”

“Se tiveres os valores certos, saberás estar em qualquer situação. Não te envergonharás de ti, e encherás os que te amam de orgulho.”

“Tu és tudo aquilo que fazes aos outros e pelos outros.”

Carta de Amor – 27/03/2023

Querido futuro esposo,

Ontem quando nos despedimos, um do outro e da nossa solteirice, perguntaste-me se no meu coração morava algum arrependimento. Foi em sã consciência que menti ao dizer-te que não.

Ai, se o arrependimento matasse, certamente não estaria aqui. Carrego em mim tantos que não os consigo contar, contudo há um que me pesa tão mais que todos os outros: arrependo-me amargamente de nunca ter amado!

Nunca me permiti amar. Talvez “nunca” seja palavra em demasia. Há uma idade em que não se sabe amar: a palavra amor é oca. Para o amor é preciso dor, um sofrimento atroz que felizmente não chega à maior parte das crianças. Assim, na nossa meninice apenas se usufrui do amor que têm por nós. Choramos no colo da avó, adormecemos no peito da mãe, cavalgamos nas pernas do pai, enfim, um mundo inteiro de amor imerecido e incógnito.

Eis que é chegado o tempo de sermos tomados de amor, daquele que surge de dentro para fora, que cresce nos nossos corações e que de tão colossal, transborda manifestando-se em sorrisos, gargalhadas, andar saltitante e algum rubor na face. Diz quem entende desta arte que o que descrevo é paixão. Pois que seja, no entanto não deixa de ser um “abrir portas” ao amor. E foi isto que senti: borboletas na barriga que se espalharam pelo corpo todo. Adormecia a desejar que a noite passasse depressa para dar lugar ao novo dia, dia esse que seria o cenário perfeito para eu me entregar às emoções. Até que um dia… a minha tia no meu aniversário, perante todas as minhas amigas, reage ao meu abraço com um estaladão na cara por lhe ter sujado o vestido; o primeiro namorado beija-me à força e enfia as mãos pela minha t-shirt adentro apalpando-me violentamente; a minha mãe dá à luz um bebé de 9 meses grande e perfeito, porém morto; chove torrencialmente e nas ruas forma-se um rio furioso que ameaça todas as casas da aldeia e faz a minha avó chorar enquanto reza e tira fervorosamente com um baldinho a água que entra pela porta principal; há uma explosão na fábrica que fica atrás da casa dos meus avós e da varanda vejo homens em chamas a saltar lá de cima, pois que mais vale matar o corpo no embate que o deixar devorar pelas chamas.

De todas as vezes, machucou-se-me a pele, destroçou-se-me o coração.

Decidi não voltar a entregar-me a qualquer sentimento. Bom ou mau, nada interfere com o meu equilíbrio e estabilidade. Arrependo-me de abraçar esta resolução que me sentenciou à perpétua ausência de amor.

Agora que sabes, responde-me tu: teria sido melhor o engano ou ainda assim queres embarcar nesta viagem comigo?

Amélia

Carta de Amor – 07/10/2022

Este lugar é mágico.

Gostaria de partilhar convosco um pedacinho deste mundo encantado. Conseguem vê-lo? Sim? Agora, gostaria de vos convidar a senti-lo.

Quando consigo transportar-me para dentro dele, encontro um mundo inteiro repleto de coisas boas. Apenas e só coisas boas e belas. Muita luz, muita cor, muito brilho. Tudo é claro e luminoso, nítido, cintilante… radioso! Aqui encontro diversão aos montes e deparo-me com uma imensidão de alegria, contudo, apesar de ser grande a exaltação, aqui é igualmente sítio de calma e tranquilidade. Na verdade, aqui é também lugar de paz, uma paz que excede todo o entendimento. Neste lugar mágico só se pode ser feliz!!!!

Eis que chega o momento de partir. Porém, demoro-me neste mundo. Sinto-lhe o peso e a robustez e repentinamente percebo que se tiver que ser, ele também ganha forma e jeito de arma de arremesso. Talvez quem sabe, com ele possa partir o coração a alguém.

Leonor